25 abril 2011

Sem ver.

Um véu cobria a inocência de um olhar, redescobrindo a cegueira de uma vida, de certas ilusões.
A garota não sentia o toque, seu corpo havia sido anestesiado por um destino injusto, infiel. Ela sentia sede. Uma sede que ardia suas veias. Uma sede seca, sem sentimento.
Horas passavam, dias passavam e a menina chegava em lugar algum. Algum lindo lugar feito de nuvens e sonhos de papel. A menina imaginava vidas, histórias, recontava desejos perdidos em algum lugar daquela ventania. A menina não encontrava mais o seu nicho naquele mundo estático. Ela precisava se mover.
A ansiedade subia pelo seu pé, perna, barriga. Ela sentia aquela coisa se movendo dentro de si. Algo que não respirava, ela sabia. Era algo estranho que nascia da sua própria essência e criava raízes naquele chão duro, tentando aprisioná-la a um presente oculto, obscuro.
Gritos. Ela precisava gritar. Tirar aquela coisa cheia da sua garganta. Tirar aquela massa que atrapalhava a sua voz, sempre que ela precisava falar com alguém sobre a sua vida. A menina gemia, sussurava, tinha medo de sentir sua própria reflexão. Ela não sabia o que pensar, não sabia como agir. Só conseguia buscar um pouco da sua própria infelicidade. No fundo ela sabia que esse seria o seu destino. Ela não sabia como viver. Ela não sabia nem andar.
O céu estava escuro. As coisas estavam escuras por baixo daquele véu. Era difícil enxergar a beleza de uma vida por baixo de algo rígido, invisível. Só a menina sabia a dor de viver cega em um mundo que precisa ser sentido a cada instante. Era impossível viver sozinha. A menina sabia. E ela já tinha tentado gritar. Ela tentou retirar as grades daquelas prisões de lágrimas. Ela já não sabia como. Ela não sabia mais como viver.
Seus olhos tentavam enxergar novamente. A escuridão muitas vezes clareava sua própria sensibilidade, mas ela não sentia vontade de sentir nada que não fosse do seu próprio mundo. Era uma vida de sonhos, de voltas, de vindas, idas. Ela retornou a um começo. Ressentida. Ela estava presa num passado distante, que havia sido predestinado desde o seu nascimento. A menina acreditava em destino, o problema era esse.
O mesmo véu foi recolocado naquele pequeno rosto. Já era tarde demais para voltar atrás. Casa cheia. Convidados. Família.
A menina iria se casar com alguém que ela nem sequer conhecia. Ela ainda nem sabia o que era o amor.
Era preciso firmar seu próprio compromisso.
Era preciso viver.

Vida curta. Vida que bate sem direção. É díficil deixar o mundo passar diante de nossos olhos.
O piscar de um olhar aflito pode resumir instantes únicos.
Nunca se deixe enganar.


19 abril 2011

Vida velha.

Era velho o senhor sentado no banco de madeira. Cabelos grisalhos, ralos, pontudos. Feição enrugada, carrancuda. O velho devaneava pensamentos antigos. Pensava na vida que havia passado diante do seu olhar mudo, pensava em família, filhos, amantes de toda uma vida. Ele pensava se ainda poderia sonhar e a cada nova respiração seu corpo se enchia de esperança. Que a vida era curta ele sempre soube, só não sabia que a morte iria passear pelos arredores da sua vida tão cedo. Era cedo demais para morrer e um pouco tarde para concretizar sonhos perdidos.
As nuvens escuras denunciavam uma noite chuvosa. Raios, relâmpagos. O homem gostava daquilo. Quando criança usava a chuva como pretexto para se perder em abraços maternos, no calor de uma mãe que sempre conseguia afagar angústias e medos. Criança inocente, pequeno homem primitivo, que enchia os olhos de lágrimas só em pensar que um dia perderia aqueles abraços para sempre. Mas o tempo passou. A criança envelheceu e os abraços foram cortados pela frieza de uma adolescência distante. A vida é assim, o homem já havia pensado sobre isso. Ele não precisava mais daquela mãe, mas desejava aquele abraço. Ele precisava curar aquela angústia de vida, de fim. Vou desaparecer, vou sumir, vou ser um nada. O homem não tinha religião. Seria mais fácil encarar a morte desse jeito, mas ele sempre escolhia o caminho mais dífícil. Ele era forte. Homem fazendeiro que não tinha medo de superstições. Já tinha lutado com lobisomem e, certa vez, ficou perdido no meio da fazendo dias a fio por causa da Caipora. Êta orgulho que ele sentia quando contava certas histórias para os "menino barrigudo" que vinha fazer visita no fim de semana. Nada passava diante daqueles olhos atentos. O homem sabia dos perigos da vida, mas nunca fraquejou diante das suas dificuldades.
Tempo curto esse que passa deixando marcas e feridas profundas. Tempo que mata, tempo que ilude, amarga, alegra. Tempo doido esse que não dá pra ver, nem tocar consegue. Só sei que passa sem passar um segundo que possa apagar outros. O homem carregava as suas marcas inapagáveis. Seu corpo torto denunciava uma vida dura, sem muito amor. Ele pensava que não sabia amar, pois homem de verdade não ama e nem chora. Cabra macho é macho até morrer, e ele não ia perder a sua dignidade naquele momento.
Cheiro de carne frita. A barriga do homem fez um barulho estranho, parecido com a sua voz. Ele não falava, sussurava rugidos como se fosse um animal. Ele nunca tinha o bastante para dizer. O homem não sabia ler, não escrevia. Isso não era importante. A mão de um homem deve ficar calejada pela terra, e não por essas besteiras que o povo anda inventando por aí.
- Ô Zé, se quer comer vêm. - Disse uma senhora com dificuldade na porta da entrada daquela pequena casinha branca. A fazenda estava bonita naquela noite. Chuva era bom porque trazia dinheiro.
O homem olhou para a mulher. A mulher sorriu.
- Ô Zé, eu vou precisar ir te buscar é?
O homem olhou para a mulher. No fundo ele sabia o que era o amor.




12 abril 2011

Sentido.

Olhos fechados. Corpo fechado. Descobri um novo mundo dentro de mim. Sem pernas, sem olhos, sem destino. Sou um mero reflexo. Sou uma imagem de um tudo sem nada.
Sonhar. Sonhar. Acordei do mesmo sonho. Angústia. Ilusão. Não quero acordar novamente. Hoje eu prefiro escutar o mundo de fora. Prefiro sentir sussuros. Prefiro não ouvir vozes.
Silêncio. Foi o silêncio que tomou conta de mim. Pintou minhas paredes de branco. Preciso pintar novamente. Preciso colorir o silêncio. Preciso da sua verdade.
Meu peito arde. Minhas vísceras digerem meus sentidos. Não sinto coragem, também não sinto medo.
Acho que preciso pensar. Respirar. Respirar? Não sinto um pulmão. Ele fugiu. Meu peito está vazio novamente. Ar. Ar. Ar. Ar. Preciso de ar. Está frio. Sinto frio.
Me sinto pequena. Uma face daquilo que não pode ser visto. Tenho medo de desvendar tantos mistérios. Prefiro me calar. Ouvir o silêncio tomar conta do meu mundo. Dividir meu corpo em partes distintas.
É. Eu sou um pouco de um tudo que eu ainda não conheci. Eu sou dois mundos fundidos em partes insolúveis. Incógnita. Dor. Isso dói. Preciso de uma verdade concreta, mas as verdades fogem das minhas mãos junto com o vento. O vento carrega tudo. O vento deixa as lembranças. Talvez um ressentimento possa me prender. Preciso caminhar.
É difícil enxergar a luz. Está escuro. No escuro os pensamentos me prendem. Pensamentos tomam conta de mim. Pensamentos que paralisam.
É. Acho que estou com saudades do meu sorriso. Ontem eu pendurei a alegria na janela. Estava frio. Não sei se ainda posso encontrá-la. A alegria fugiu diante do meu olhar e agora é esse mesmo par de olhos que eu preciso encarar no mesmo reflexo de todos os dias.
Descobri que minha alma se fundiu. Ainda restam algumas partes de mim. Preciso me concentar.


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