25 novembro 2012

Liberdade.


                                                                                          Foto: Camila Alves.

Era como se fosse uma parte do fosse. Era um passado perdido entre tantos sonhos e tantas partidas. Era como um momento bifurcado entre certas escolhas erradas. Era medo, era solidão.
O menino carregava pedaços de um coração remendado em uma mochila de papel. Ele havia juntado as bordas com cola. Havia sujado, arrancado partes molhadas, que deveriam ter sido jogadas fora anteriormente. Era um mundo visto de fora e o seu espaço vazio de coração havia sido preenchido com um vento quente, acolhedor, que se perdia em meio a uma tempestade fria.
Era um corpo oco. Era um corpo frio, que carregava nas costas todas as dores acumuladas por tentar sentir demais.
O menino carregava a perfeição em suas palavras e tentava pintar seu mundo com suas próprias cores. Ele havia aprendido a vestir o invisível e desaparecer no meio dos gritos de uma multidão calada. Era medo, era solidão.
E, no meio dessa tormenta, ele havia pintado seus muros tentando reinventar suas ideias. Ele tentava trocar as lentes, mas o mundo continuava o mesmo. Ele havia embaçado seu destino e o peso daquela mochila de papel sempre o jogava para trás.
Era um caminhar devagar em meio a pedras pontiagudas. Seus pés estavam feridos. Seus segredos começavam a escapar por entre tantos pequenos buracos. Mas, o menino remendava. Ele remendava sonhos, remendava ideias, remendava mudanças. Sentado, ele só esperava que o tempo passasse e que o sol nascesse, morresse e depois voltasse a respirar. Suas pernas eram fracas, não aguentavam tanto peso, mas a noite trazia esperança, ele sentia sono e estava cansado demais para tentar.
E foi assim que o tempo passou. Ele gostava da cama confortável, do filme e do café quente. Ele lia, conversava sem encarar o espelho, gostava de cantar no banheiro. Mas, ainda assim, era invisível.
A mochila era a sua única amiga. Só ela sabia seus segredos, só ela carregava o seu passado. A mochila carregava também alguns espinhos que, vez ou outra, perfuravam e riscavam as costas do menino. Lágrimas. Só assim ele conseguia chorar e jogar fora um pouco daquela mágoa passada. Eram tantos erros, foram tantas desilusões perdidas que insistiam em se encontrar dentro de tantos pedaços partidos. Ele só queria arrancar aquele resto de passado presente cheios de risadas e sonhos.
E entre tantos dias que passavam sem um despertar, o menino ouviu um canto ecoar do assoalho. Era um canto diferente, que caminhava em seus pés. Ele sentia aquilo passar em suas veias, em suas artérias, em suas vísceras. O menino sentia sangue, sentia calor, sentia vontade. Era um novo caminho que se concretizava em sua frente.
Ele resolveu andar. Segurou a mochila para que não caísse dos seus ombros pesados e começou a caminhar com dificuldade. Sentia tristeza quando via que as pedras ainda estavam ali dificultando o trajeto.
O canto ficava mais nítido. Era um canto de pássaro. Era um pássaro. E assim, o menino continuava caminhando. Por trás, ele percebia que o seu mundo desmoronava. Ele percebia que o passado precisava ser desconstruído para que suas partes se tornassem o concreto para o seu futuro. E assim, ele sentia medo. Ele chorava, deixava todas as lágrimas sangrarem em seu rosto de dor. Deixava suas pernas comandarem suas vontades. Ele sentia medo, tremia, mas, o canto do pássaro era bonito demais e ele precisava encontrar o seu destino. E assim ele caminhava, caminhava, subia em pedras, machucava, caía, na maioria das vezes. Ainda com o peso da mochila. Ainda com o peso nas costas. Sua caminhada sempre foi difícil. Ele precisava se encontrar.
E assim o mundo se desfez, e ele ia reencontrando um mundo novo, distantemente parecido com tudo o que já havia acontecido. Ele sabia que podia perdoar alguns erros, não precisaria ficar perdido naquela correnteza de culpa. Ele começava a enxergar seus braços, suas pernas, seu corpo. Ele podia ouvir um sorriso estranho. Seria dele? Ele não sabia sorrir.
E assim, o pássaro cantou. O pássaro encontrou sua voz. Ele voava perdido, tentava encontrar uma saída mais próxima. E assim, o pássaro voou. Saiu por entre alguns buracos que ainda estavam em seu corpo de menino. O pássaro voou e rasgou a mochila, jogando tudo, até mesmo o coração, no chão. E ele gritou, ele que era o pássaro menino havia libertado suas dores. Ele estava sem coração.
Olhando aquele coração remendado, ele sentia que podia voar. Era leve, pleno. Ele precisava cuidar daquilo e, por isso, colocou o pequenino em suas mãos e cuidou daqueles retalhos. Era como um coração novo, só que velho e dele. Era ele, sempre foi, sempre seria assim. Ele sabia que iria sofrer, ele já conhecia as lágrimas, ele sabia chorar. Mas, agora ele havia encontrado o sorriso e, como um pássaro, ele conseguiu voar. Agora longe. Longe, agora. Leve. Longe. Agora, feliz.







21 outubro 2012

Silêncio.


                                                                                                                       Foto: Mariana Andrade.

O silêncio guarda segredos que as palavras nunca conseguirão desvendar. O silêncio cita devaneios antigos, traz à tona sentidos esquecidos, sem nenhum significado. O silêncio brinca com sonhos, com olhares, com sentimentos. O silêncio fala. Consegue traduzir a vida intensamente, deixando os ruídos com ciúmes por não conseguirem carregar tamanha dualidade: Um vazio cercado de entendimento.
E assim o tempo se apagou. O tempo se apagou e trouxe consigo o silêncio, a quietude, o encontro com aquele vazio esquecido em outrora. O tempo se apagou e levou consigo as velhas palavras. Era como olhar sem sentir, era como um corpo sem alma que queria gritar, mas não produzia som. Foi assim que a menina gritou o silêncio e o vácuo preencheu sua existência, enchendo-a de uma coragem medrosa.
A menina passou a gostar dessa fuga de palavras. Fugiu para um lugar distante, cheio de pequenas gaivotas e gaitas que cantavam sozinhas. Ela não queria mais encontrar sentido nas velhas vidas passadas, ela queria somente resgatar as vogais que haviam fugido dos seus pensamentos. A menina passou a não sentir a lógica, ela não obedecia aos mesmos padrões, ela dançava no escuro, pintava seu quarto de amarelo. A menina não queria sorrir por fora e, como uma bomba, soltava gargalhadas presas dentro do seu vazio. Será que ele aumentaria?
Deitada na cama, a menina podia ouvir as palavras correndo e atravessando o vão da porta. Disseram que alguém poderia roubá-las. Quem poderia roubar as palavras de alguém? Mas a menina deixava, ela deixava qualquer coisa. Ela deixava a porta aberta, o chão aberto, o teto sem estrelas. A menina deixava passar qualquer resquício de falta, ela não precisaria mais sentir saudades, haviam roubado isso, também. Sorrisos? Será que roubariam?
A menina simplesmente deixava o tempo escorrer entre seus dedos. Já era dia, já era noite. Um entardecer trazia sua beleza e no amanhecer ela respirava a brisa de um recomeço. A menina gostava de jogar as palavras na parede. Gritava os restos do que havia sobrado e deixava lá, escorrendo por entre as frestas sujas de sentimentos cuspidos. A menina queria sentir uma nova vida, um novo nascer, diferente do seu. Agora ela precisaria renascer por entre espinhos e buracos escondidos, cavados e encobertos por ela mesma. Era um destino mal traçado, perdido em meio de sonhos acordados. Estranho, não? Ela não entendia tantos pensamentos partidos.
E foi assim. Foi silêncio. Ela só precisaria de um pequeno novo tempo, perdida em si mesma. Ela partiria em uma viagem de vida, agora só, como ela sempre quis. Agora ela iria buscar suas palavras, amarrá-las em seu coração e carregá-las como uma criança que precisa de cuidados. Ela precisava de ideias, de tempo, de espaço. Era estranho ter aquele vazio tão pequeno, ela sabia. Agora tudo estava bem. Ela só acumulava coragem. A pequena nuvem ainda estava confortável. Era preciso sonhar.


08 outubro 2012

E assim, espero.


                                                                                                                   Foto: Mariana Andrade.

Eram as mesmas gotas de chuva que caíam naquelas velhas telhas de barro. Vento frio, sem aconchego. Ainda vestia aquele blusão velho que pertencia a você. Ficava vendo de longe o tempo passar, como em outrora. Lembrava-me do abraço que havia sido entregue naquele beijo que partiu. Lembrava-me daqueles corpos unidos em um único desejo de substituir seu próprio vazio, contando horas passadas e brincando com o relógio antigo que havia sido esquecido no mesmo lugar. O tempo divagava em seu próprio tempo, rasgando a saudade com seus ponteiros velhos, sem nenhum significado. Eram dias que passavam e, sozinha, sempre me lembrava das últimas palavras que foram levadas pelos faróis acesos daquela noite que nunca se apagou.
Vento vinha. Vinha tanto vento que meus cabelos brincavam, divertiam-se e tentavam fugir de tamanha tristeza. Era um coração que palpitava a cada ranger de porta, a cada passo de um desconhecido que sempre se parecia com você. Era um tempo antigo que ainda se recheava com os mesmos planos, com os mesmos desejos sem um adeus. Era uma alma apagada por uma borracha invisível, fria, com consistência de dor. Era uma borracha feita de você, que só soube dizer adeus, sem amor, sem nada.
Já te disse como o céu fica laranja quando chora? Já te disse como o vento esfria e a velha cama de madeira engrandece? Ao dizer que não me amava mais eu entendo que você nunca me amou.
Agora é tarde. O velho futuro de nós dois já está apertado em meu peito, como um nó que não se solta. Agora tudo se transformou em saudade e eu não entendo como você conseguiu ser tão cruel a ponto de partir sem nem me ajudar a enxugar essas gotas que insistem em molhar as telhas dessa mesma casa vazia. Agora é fim, é ponto, é adeus, desilusão, é você. E é o mesmo blusão, o mesmo você que, depois de partir e despedaçar minha vida em pequenos pedaços, ainda é quem me engrandece e me faz acreditar que os mesmos faróis ainda entrarão na antiga garagem e deitarão na cama vazia que ainda guarda amor de nós dois.




12 agosto 2012

Pai.



A música entrava pela janela aberta e o céu carregava um sol apagado naquele dia. As densas nuvens dançavam por entre aqueles morros altos que tentavam parecer mais atraentes do que tantos prédios vazios de sentimentos.
Um avião de rotina passava no céu. Onde estaria aquele coração? Será que havia caído? Será que levaram embora por engano? A menina agora carregava consigo uma nova vida e aqueles olhos precisavam ser guiados para um novo destino, mais uma vez.
Era um telefone que tocava. Era a vontade de andar de volta. Era um tempo que passava rápido, divagando, devaneando. A menina se lembrava de tantos sorrisos. Eram tantos sorrisos, tantos olhos, tantas mãos, tantos abraços, tanto tempo. A menina ficava cansada, às vezes. Mas, às vezes, também precisava tentar.
O homem havia carregado tantas malas de mudança. Passava o tempo balançando as pernas, vestido com um casaco quente demais. Você não sente calor? Mas estava bem, só precisava ficar sentado.
Algumas lágrimas dançavam no rosto da menina e ele a olhava. Temos que arrumar esse canto, certo? Não vamos deixar nada vazio. O que você precisa? Venha, não chore. Eu vou chorar, também.
E assim o tempo passava. Um dia, dois. Você está bem? Está se alimentando? Eu te amo.
E assim o tempo passava. Três dias ou quatro? Ele ligava. Eu sinto saudade. Nossa distância física não significa nada, estarei pensando em você a cada segundo. E ele preparava o terreno para que a menina não sentisse o impacto de alguns buracos. Você está feliz? Faço tudo isso por você, minha menina. Precisa de alguma coisa? Você vai ficar bem?
Ao caminhar pelas beiradas, ela percebia que havia pequenas molas naqueles buracos. A menina sabia que aquilo não era obra do destino. Ele havia acordado cedo, ele cuidava de tudo, ele sabia que tudo ficaria bem e estaria ali, sempre. A menina sabia.
Ela encostava a cabeça na sua barriga e escutava barulhos. Ria. Meu pai, sua barriga faz barulho. Ele sorria. Devia ter sido o almoço. Sempre uma explicação, sempre.
A vida não é fácil, minha filha. O sofrimento ajuda a gente a crescer. Estou ao teu lado, eu te amo, você nunca estará sozinha. Segura a minha mão, venha, vamos passear. E ele mostrava o mundo, desmascarava o novo e ensinava. Você sempre será minha menina. E eu sempre estarei contigo, meu pai.
E assim o coração foi se acomodando e aquela menininha que só conseguia correr com a fralda escorregando pelas pernas e beijar os joelhos dos grandes acabou crescendo. Hoje os braços dela já alcançavam aqueles ombros cansados. Você vai se cuidar, meu pai? Eu me cuido, filha. E foi quando a menina passou também a aconselhar o pai e o pai passou a escutar a menina. E foi quando a menina também abraçava o pai, acompanhava-o, beijava suas bochechas.
Menina, você é a cara do seu pai. Eu? Em meio a risadas sempre falava que não achava, mas sabia que era. E eu sou a cara do pai, mesmo.
E foi em meio a tantos erros que encontramos o amor. Cavamos e descavamos buracos. Achamos tesouros antigos e distribuímos o primeiro abraço em um ensinamento puro.
Ao ver nascer, ao ver crescer, ao ver ir embora. Seus olhos de preocupação não me enganam, eu te amo, estou aqui. Sou sua filha, pai. Segura minha mão, certo?
E assim caminhamos juntos até o infinito. Desde um primeiro abraço até a rápida despedida.
Estarei sempre aqui, te esperando com um abraço cheio de amor, só seu. Estamos juntos nessa vida, unidos pelo amor e pelo sangue. Vamos redescobrir o mundo, encontrar erros e tentar sempre buscar o melhor. Mudar.
Você é o meu pai. Eu te amo.

Feliz dia dos pais! Em especial, para o meu. Eu te amo, pai meu. Obrigada pela força, pelo amor, pela dedicação contínua. É esse amor que você me ensina todos os dias. E, um dia, quero ser para meus filhos tudo o que você foi para mim.
Obrigada. Serei sempre grata por tudo.
Não existiria um pai melhor do que você.
E você é o mais lindo de todos!
TE AMO!



20 julho 2012

Atrasos e Partidas.



Era mais um voo atrasado, eram mais horas atrasadas de um dia cedo. O sol ainda estava escondido por trás daquelas montanhas e a inquietude fazia as mesmas pernas tremerem. O dia frio carregava consigo um pouco de saudade, enchendo aquela mente de lembranças. Pela pequena janela, ela podia enxergar o sol escondido por detrás daqueles morros escuros. Estava bonita tamanha escuridão cheia de sussurros calados e gritos pouco abafados. Ela sabia que alguém dormia no meio daquele silêncio, alguém suspirava o início de um novo dia e despertava um sorriso cansado para um velho amor.
Era mais um voo atrasado. Pessoas amontoadas tentavam com esforço guardar pequenas bagagens naqueles compartimentos. Cuidado com a cabeça! Poderia ter sido um acidente, não? Mas o dia começava a nascer para aqueles olhos cansados e qualquer deslize poderia ser perdoado. Já era hora de enfrentar a vida novamente.
As mesmas pernas continuavam tremendo e as músicas do mp3 já estavam repetidas. Ela se espreguiçava, gostava daquela poltrona vazia do seu lado. Abria a persiana, fechava. Fechava, abria. Como sempre, indecisa menina. Ela não sentia vontade de nada, guardava dentro de si a inércia de um marasmo causado pelo cansaço. Esperar e não fazer nada era mais cansativo do que fazer tudo. A menina estalava os dedos, cruzava e descruzava as pernas, lia trechos do Alan Poe guardado em sua bolsa. A menina despertava sonhos, guardava novas esperanças, preparava-se para um novo destino cheio de dúvidas e medos. A menina, pela primeira vez, sentia coragem em seguir, sem pretensão de voltar a um antigo destino.
Tudo passava devagar e a lentidão fechava aqueles olhos pequenos. Licença. O senhor carregava consigo uma educação cheia de bondade. A menina se levantou, sem jeito, segurando sua bolsa aberta com força para que suas poucas coisas não se espalhassem no chão. Ele se ajeitou e, pouco confortável, abriu a persiana que já havia sido fechada várias vezes. Está frio? Perguntava quieto. A menina sorria, ficava à vontade. Gosta de ler? Gosto.
Assim, as mesmas palavras de conforto foram caladas e o avião fechou suas portas para decolar. A menina segurou-se firmemente na cadeira, ela gostava de sentir o avião acelerando, aos poucos. Sinal da cruz, alguns o faziam escondido, como se tivessem vergonha de expressar sua fé. E assim passaram-se segundos. E assim a menina fechou seus olhos, deixando todas as suas preocupações em terra firme. E assim, mais um voo atrasado voa em busca do seu destino.
O tempo passou, bem pouco, parecendo muito e a inquietude daqueles olhos a fizeram enxergar novamente. Estava escuro, alguns já dormiam e outros esperavam por uma xícara de café. O senhor segurava firmemente as próprias mãos e tremia um pouco os dedos, passando uma boa tranquilidade que a menina conseguiu capturar pela sua essência. Ele guardava um sorriso de canto de boca, como se estivesse esperando o momento exato para expressar aquela emoção contida. Assim o tempo ia passando, contido de ansiedade em chegar.
Era de vez em quando que os pequenos óculos redondos do senhor embaçavam e ele retirava para limpar. Tudo feito numa lentidão invejada. Invejada? De repente a menina gostava daquele marasmo. O tempo trazia consigo sua nova essência e até mesmo um vento agradável aparecia repentinamente, não se sabia da onde, acho que da imaginação. Que cabeça confusa essa, não?
A menina olhava um pedaço do perfil do velho senhor, estava simplesmente encantada pela sua feição simples sem preocupação.
Foi quando, de repente, o sol começou a aparecer por detrás de uma nimbus densa e, encurvando seu corpo para frente, ela percebeu que o sorriso contido do senhor havia sido despertado e, quando o céu começou a pintar seus cantos de laranja, algumas lágrimas apareceram no canto do seu olhar. Era lindo enxergar o nascer do sol através das lentes daqueles pequenos óculos redondos, pouco embaçados.
Pela primeira vez, a menina viu o sol aparecer de baixo, irradiando seu brilho para todas as partes daquele imenso céu de nuvens escuras. Foi-se o laranja, chegou um vermelho, misturou-se com o azul. A complexidade de cores deixava o céu límpido, estranhamente monocromático, irradiando a maior beleza da vida. Era um nascer novo, um recomeço, um novo dia transfigurado em um novo ser. A menina estava paralisada, sua mente calada, porém cheia de bons sentimentos. Deus existe, ela pensou. Aquilo não era obra do acaso.
Encostada no banco, ela enxergava os contornos formados na lente no senhor. Olhos doíam pelo início da claridade, corpo explodia e exalava sentimentos. Ele guardou novamente o seu sorriso. O sol já estava no céu e a sua luz impedia que os olhos enxergassem pela persiana. O homem fechou a janela, virou. Está tudo bem? A menina sorriu. Estava. Ele recostou sua cadeira, soltou suas mãos, fechou os olhos. Obrigada. E a menina pensou que era o momento de descansar.


Rick Monteiro, obrigado pelo meu novo tema! (http://semguarda-chuvas.blogspot.com.br/)

26 junho 2012

Um copo de nada.


Haviam jogado um copo de veneno sobre a mesa. Veio de longe, como uma bomba que aparece repentinamente e destroça em pedaços aqueles tantos pedaços que refletem a possibilidade de sentir. Ela sempre preferiu carregar a solidão como uma porta aberta, sem avisos e sirenes. Olhar o veneno não doía tanto tais vistas, ela só se encantava com a fresta de fumaça que começava a se formar quando tudo foi inicialmente corroído. De longe a queda havia sido amparada por um grande colchão de ar, feito de saudade. Haviam jogado um copo colado de remendas, mas não havia veneno. Como um grito formando-se de um eco, ele havia desaparecido. Não havia indícios e todos na sala começavam a procurar em seus bolsos, em suas costuras, em seus buracos, mas nada encontraram. A menina só sorria.
Estava frio e era estranho como o tempo continuava brincando com o relógio de cabeceira, pulando de ponteiro em ponteiro, sem intenção de parar. Descansa um pouco, tempo. – Dizia ela. Você parece tão cansado. Cansado? Como alguém em sã consciência poderia descansar com o sumiço do veneno? A menina sorria.
O tempo guardava surpresas e o seu dedo mindinho acariciava-o. Sente cócegas? Ela escutava o desespero daquele sorriso fingido de longe, mesmo nunca tendo gostado realmente de cócegas. O céu escuro já recobria o céu e as pessoas ainda estavam ao redor da mesa. Será que ela precisaria fechar a porta? Ninguém poderia entrar em seu mundo. Coisas frágeis se quebram ao menor toque e aqueles indivíduos não tinham a intenção de sair dali tão cedo.
Ela arrumou a casa, trocou o lençol sujo, lavou a toalha e trancou suas sete chaves na porta. Agora, sim. Respirou aliviada e foi novamente olhar aqueles pequenos burburinhos que ansiavam por uma nova explicação. Já haviam explicado? Ela não havia escutado. Ficou curiosa, mas ao mesmo tempo esqueceu a curiosidade. Curiosidade mata. Ela não podia ser assassinada justamente com o sumiço do veneno. A resposta seria fácil demais para aquelas pessoas e ela até gostava daquele barulho silencioso de olhos que gostavam de falar. Sabia que olhos falam? Sim. Eles têm pequeníssimas boquinhas com dentes para triturar qualquer vestígio de felicidade. É uma pena que um olho não consegue enxergar a própria face, precisando, para isso, que outra pessoa segure um espelho. É difícil tentar se enxergar através de um novo olhar. Por isso, a menina preferiu prender o dela na parede. Ficaria mais firme no momento que ela desejasse enxergar suas fraquezas.
O céu se cobriu. Tantas pessoas juntas deixaram o tempo frio e, com isso, o dia foi embora. Alguns olhavam para a mesa, outros negavam, outros simplesmente fingiam não estar diante daquela situação esquisita, mas, mesmo assim não partiam. A menina havia encontrado amigos que vieram procurar o veneno. A menina encontrou alguns familiares que haviam se perdido naquela imensa árvore que só fazia crescer. Era uma prima, um tio, pai do tio, irmã da prima. Tantos sorrisos que só apareciam para matar sua sede de curiosidade. Servidos? Ainda tenho veneno na geladeira. Refresca, leva os medos embora. Será que dói? A menina não sabia, seus olhos mentiam e ela só conseguia sorrir.
Dias passaram, horas, o tempo mudou as estações e as pessoas envelheciam diante daquele marasmo. Você é feliz? A menina ficava curiosa, mas ninguém se interessava naquilo. Como um veneno poderia evaporar no ar?
Você é feliz? O que seria a felicidade? Um garotinho sentado no canto da sala sorriu. Ela entendeu. Foi você? Ele perguntou, ela sorriu.
De repente um bebê chorou. Nasceu? Os olhares se voltaram para a menina que havia usado drogas e para a irmã que havia brigado com o irmão. Burburinhos, burburinho e novos burburinhos voltavam. Dessa vez as pessoas caminhavam e a mesa ficou vazia novamente. A menina tentou catar tantos pedaçinhos, mas alguém gritou cuidado, de longe. Ela sorriu, sabia lidar com a dor.
Todos partiram, depois de anos de espera. Falaram tanto que ninguém encontrou a resposta. A menina sorriu. Estava frio e seu corpo estava cansado. Ela catou os cacos, retirou o lixo, bebeu um resto de água e foi dormir.
Melhor assim. A solidão é amiga para aqueles que têm medo de olhares famintos. Ela preferia assim, preferia partir. Sorriu. Como eles não perceberam? Falavam tão alto e a resposta estava ali, diante de todos os olhos. Como são tolos, não?

12 junho 2012

Novo e sempre.

Ele se mostrou através de um sorriso. Tinha tanta beleza e carregava no corpo um pouco de cansaço. Poderia ter um minuto para conversar? Perguntava tímido. No mais tardar, você poderá dormir com o nascer do sol. É interessante sentir a noite, de vez em quando. Perceba menina... A noite é bonita! - diziam suas palavras. Se você ficar com medo, deixe-me segurar tuas mãos.
E assim foram-se segredos. Portas fechadas que se abriram e algumas lágrimas foram libertadas. Reencontramos uma amizade pouco vivida do passado. Recordamos antigas cartas não correspondidas e o anonimato revelado se estendeu em meio a tanta timidez.
Felizmente, palavras não foram necessárias. Ele simplesmente vestia a camisa que ela achava mais bonita e ela guardava aquele poema que havia sido escrito, em seu coração. A coragem estava fortalecida, as cartas haviam sido guardadas, aqueles olhos precisavam se encontrar. Os dois dançavam a mesma melodia e, segundos depois, já riam de histórias passadas. Será que ela gostava de mim? Ela gostava. Ela precisava guardar a saudade dentro de gavetas, até o armário se encher. A casa, o coração. Tudo guardava um pedaço do cheiro, do abraço, das velhas conversas e risadas. Poucos beijos que se tornaram muitos.
Ele abaixava a cabeça. Afagava o corpo dela, pedia para voltar. Ele sentia saudades. Trazia de longe sua essência, suas flores, suas cartas. Ela sabia que poderia esperar. Aqueles olhos eram lindos demais. Aqueles olhos poderiam ensiná-la a mudar suas direções.
Foi quando de repente o escuro se tornou claro e o mundo inteiro passou a cantar a mesma melodia. Os que corriam deixavam de lado o tempo pelo prazer do sentir. Era o momento de sentir. Foi-se uma chuva. Foi-se o sol, as estações. Foi-se o céu, a terra. E quando dois destinos transformaram-se em um, ela sentiu.
Dias não interessam. As horas são pequenas. Meu braço te abraça a todo instante. Teu sorriso é o meu companheiro fiel. Ele guardava as promessas. Ela não gostava de promessas.
-Promete me amar? – Dizia.
Ela respondia com o olhar e, mesmo sem gostar de promessas, ela prometia. Ele já havia sido um sonho, um dia. Ela não o deixaria partir.
Lindo é você.
E com as mesmas cores, com o mesmo olhar, a mesma camisa, a bota, as poesias e livros, o café, ele partiu.
Mas ela o encontraria. Um mesmo destino não se desprende em dois caminhos distintos. E, juntos, os dois iriam caminhar. E, juntos, até que o infinito desista daquele amor. Para sempre e sempre.

Para você, Ti, que é o bolo mais lindo e carinhoso desse mundo todo!

Um feliz dia dos namorados para todos!

13 maio 2012

Dia de amor.

Como se fosse um pequeno abraço que cura dores, uma pequena palavra que entende erros. Como se fosse lágrima, um sorriso. Um pedaço de céu que carrega no coração um imenso sol. Uma frase certa. Uma censura. Um certo olhar. És como um poema em versos soltos. Menina, mulher. És como um conjunto do que é mais efêmero. Um todo compactado em uma pequena parte. Um abraço quente. Um beijo. Mãe. Mãe que tudo entende, que enxerga através de um olhar, que acaricia e repreende. Mãe de todas as horas. De um abraço remédio e beijo curativo. Mãe é mãe. Mãe é mãe. Mãe é moldada. Mãe tem defeitos, tem charme. Mãe de hora marcada, de almoço na mesa, de filme, de música. Mãe de trabalho, mãe de casa, mãe de um, mãe de vários. Mãe é mãe. Liberta. Carrega. Já cresci? Preciso partir. Partir? Solta a mão, mãe. Seu sorriso é lindo, menina. Onde você aprendeu tudo isso? Ensina, mãe. Guarda essa palavra para depois, sei que ainda precisarei ouvir. Guarda aquele sorriso, também. E me abraça, certo? O dia fica frio, às vezes. Seu abraço conforta. Mãe é mãe. E feita perfeitamente para mim. Ou seria eu, feita para você? Te amo. Para você, minha linda mãe (Maria Célia) e para todas as mães: Um feliz dia!

06 maio 2012

Era um certo vazio.

Uma xícara vazia é como um coração que palpita saudades. O medo transpirava, saia em formato de chuva, inundando qualquer ilusão que ainda pudesse tentar resistir. Sofia, sentada. Sozinha, Sofia. Estava mais uma vez sozinha. Sofia esperava, deixava a janela aberta. A cama parecia vazia, ou seria ela oca? Um corpo oco conseguiria chorar? Sofia não conseguia entender como de repente tudo ficava confuso. Dias confusos e horas confusas. Era um vento estranho que trazia calor. Era uma tempestade invisível. Será que as pessoas enxergavam aquela tormenta? Sofia se calava. Era difícil respirar. Haviam roubado o ar de dentro de seus pulmões. Roubaram vida, mas Sofia deixava. Ela percebeu que ainda podia suspirar e o pouco ar era suficiente para que ela pudesse andar. Devagar. Divagando, como se tudo ao seu redor fosse música. Ela escutava poucos, olhava muitos, cuidava. Sofia escutava o sol. Ela havia se cansado de enxergar, por isso o som havia se tornado mais atraente. Ela descobriu como a música conseguia levá-la para um futuro tão próximo, distante. Sofia, vazia. A linha tênue da sua existência havia sido distorcida por novas imagens. Vazia, Sofia. Você já tentou se encher de ar? Ar preenche vazio, menina. Melhor, ar te faz flutuar. Que tal flutuar? Sofia tinha vontade de encontrar uma estrela. Aquela estrela da infância que ficava no canto direito do céu. Ah, o céu! Como consegue carregar tanta beleza? Como consegue? Sofia queria aquela beleza. Ela não queria mais aquele vazio sem sentimento, seco. Uma xícara se esquenta quando o seu vazio é preenchido com um líquido quente. Por isso, Sofia havia bebido água. Mas não adiantava. O vazio fica. A angústia te impede de lutar. Sofia conseguia enxergar essas correntes. Toca. Afaga. Ela não tinha medo daquela prisão. Sabia que para entender algo, era preciso estar disposto a amar, mesmo que nunca saibamos que poderíamos sentir afeto por algo tão ínfimo, às vezes cruel. Sofia havia aprendido. Ela já havia encontrado o caos, já havia procurado o caos, já havia fugido do caos. E para quem tem olhos, o caos não é um lugar agradável. Ou não? Quem disse que a tristeza é triste, afinal? Quem disse que o feio é feio? O que seria o bonito? Seria Sofia bonita? Sofia não sabia distinguir, ela sentia. Ela observava tudo de longe e depois decidia se aproximar. Que loucura, menina! Viva mais! Saia mais! Mas dentro dos seus olhos, Sofia sabia que não havia solidão. Por baixo do vazio ela conseguia escutar vozes. Sofia sorriu. Ela sabia que não estava sozinha. Quem tem um mundo dentro de si, nunca estará sozinho. Sofia havia se confortado. Ela sabia que encontraria uma saída. Ela sabia. Esse mundo louco faz loucuras com a cabeça de quem consegue enxergar. Ela sabia. Por isso ela precisava ser forte ou então aprender a viver com os olhos fechados. Será difícil viver quando, mesmo com os olhos fechados, você consegue enxergar? Sofia recebeu um abraço. De repente seu corpo se encheu. Um pequeno movimento nos seus lábios chamou sua atenção. Ela sorriu. Ela gargalhou e, como mágica, seu vazio começou a se encher de lembranças. Era a cura. A felicidade. O amor. Tudo tão perto. Ela sabia. Tão fácil, tão pequeno, tão grande. Abre os olhos, Sofia. O mundo é difícil, porém, teus olhos te colocam em um labirinto inexistente. Não é sua culpa. A vida é assim. Respira, desse jeito fica mais fácil de caminhar.

08 fevereiro 2012

Rotina.

Os olhos sempre denunciam o nascer do sol, Mathias sabia. Era por isso que, ao acordar, ele mantinha seus olhos fechados, abrindo-os aos poucos para que assim pudesse se acostumar com a ideia de um novo amanhecer. Já era tarde, ele precisava se levantar. Os raios do sol ardiam seus olhos. Corpo frio, noite mal dormida, fome esquecida. O despertador já havia acordado seu corpo, porém, sua alma ainda precisava despertar. Ele olhou para o computador, percebeu que não havia desligado. Poderia ser uma desculpa para escutar uma música antes de começar a rotina? Mathias sorriu ao conectar as caixas de som. Beethoven. Oh, Beethoven. Sua mãe gritou. Estava alto. Abaixe, Mathias! Se vista, Mathias! Estude, Mathias! Então Mathias abaixou. Mathias se arrumou. Mathias estudou. O dia passou, Mathias. Você gosta de ver o pôr do sol? Então, veja de fora. Enxergue a rua se calando, os carros voltando, gastando seus ruídos, seus gritos. Os passarinhos cantam novas despedidas. Amores se despedem, Mathias. Irmãos vão para casa. Perceba como o sol, aos poucos, consegue se movimentar até beijar o horizonte da terra. Ele poderia estar cansado? Veja como ele cresce quando a terra o recebe em seus braços. São dois seres, Mathias. Poderiam ser reais? Mathias não havia conhecido o amor. Olhava de longe. Procurava um olhar que se encontrasse com o seu. Procurava lábios que encontrassem sua boca, que abraçassem seu corpo e pudesse amá-lo pelo simples fato de existir. Mathias encontrava paixões em pensamentos. Mathias buscava novas promessas, idealizava novos projetos, sonhava em ser um super-herói. Mas super-heróis são humanos, Mathias. Super-heróis precisam viver em terra firme. Super-heróis sentem, sofrem, buscam novas inquietações. Mathias estava cansado. Suas botas estavam sujas. Ele precisaria tirá-las, um dia. Não hoje, não agora. Mathias recebeu um telefonema. Voz doce. Como aquela voz havia aparecido? Ele não sabia que poderia se apaixonar. Sorriu. Estava tarde. Biblioteca fechou, Mathias precisava voltar. O caminho de volta estava cheio de buracos, mas Mathias sorria. Os buracos não significavam nada, ele só conseguia se lembrar daquela voz, daquelas palavras. Mathias parou, deixando a brisa dançar sobre os seus cabelos. A sua mochila estava cheia de livros, mas parecia leve. Mathias achava que poderia voar. Será que ele seria um super-herói? O vento cantava novas melodias em seu ouvido e, de repente, todos os ruídos se transformaram em uma leve melodia. Buzinas, gritos, sussurros, saudades. Tudo se fundiu em busca do efêmero, e Mathias sentiu. Mathias podia sentir. Mathias sentia. Já era noite e, pela primeira vez, Mathias sentia saudades. Mathias sentia seu corpo, se olhava no espelho. Gostava. Mathias gostava. Mathias sentia fome. Mathias sentia o beijo, o abraço, a despedida. Sabia que já era o momento de seguir. E ele gostava de seguir. A vida agora estava cheia de cores e, tudo estava cheio de melodias. Tudo transcrevia Beethoven, Mozart. Tudo era, de repente, o que ele sempre quis ser. Mathias sorriu. Guardou a mochila. Tomou banho. Comeu. Beijou sua família. Agradeceu. Mathias sorriu. Guardou suas lembranças. Guardou seus sonhos. Lavou suas dores. Reergueu um amor. Sorrisos. Pela primeira vez, Mathias dormiu. Fim da rotina. Começaria de novo, ele sabia. Mas cada dia guardaria uma nova essência e, mesmo quando o dia fosse cansativo, ele saberia que encontraria novas surpresas. Olhos enxergam o que querem enxergar. Só um novo olhar pode mudar percepções antigas. Acredite. A vida é o que você faz dela. Se ficar fria, use um cobertor. Nada é tão difícil quanto parece ser. Se o chão fosse de algodão, ainda assim seria complicado de caminhar. Transformar as pedras em flores é uma solução. Encará-las, é outra.

12 janeiro 2012


A menina tinha medo do escuro, por isso ela aprendeu a viver com os olhos abertos. Menina que tem medo de escuro não fecha os olhos, ela sabia. Olhos de medo doem, precisam de uma claridade cega para conseguir enxergar a vida, tentando ao máximo transformar sua dor em um refúgio de força.
A menina olhava ao seu redor. Medo. Angústia. Ela sabia que com aquele fardo seria impossível andar. Ela precisava acreditar na possibilidade de encontrar um refúgio dentro da sua culpa em tentar ser diferente. Ela sabia que poderia mudar, mas sentia medo de encarar um destino tão incerto que já estava batendo em sua porta.
A escuridão é tua amiga, menina. Mostre teu rosto às estrelas, elas podem curar teu coração. Não tenha medo de tentar ser o que você sempre foi ou de encontrar sua verdadeira razão de viver. O amor vai estar em volta das tuas escolhas, você só precisa recolher tua alma para um lugar distante, um lugar que implore pelo teu grito, por tuas lágrimas.
A menina de olhos negros carregava sua própria escuridão. Seus olhos já demarcavam seus medos, já deixavam claro que seu espelho precisaria ser limpo para que ela pudesse reencontrar algumas verdades repartidas, esquecidas.
Menina, seus olhos são teus melhores companheiros.
Menina gosta de olhar fundo, de analisar a vida, de sorrir. Menina gosta de sentir a incerteza que uma brisa de fim de tarde carrega. Menina gosta de carinho, de abraços, de corações feridos. Menina quer gritar, jogar sua voz fora, arrancar suas vísceras até não restar nenhum resquício de saudade e de lembranças.
Aqueles olhos negros não conseguiam entender o motivo daquilo tudo. Os olhos negros precisavam entender algumas razões, precisavam perdoar. Olhos negros precisam perdoar seu próprio olhar por não estar conseguindo ver a beleza daquele velho pôr do sol. Perdoar por ter perdido tanto tempo sentindo, sem enxergar o mundo que andava ao seu redor.
Amigos partiram, menina. Amores foram embora. Você não pode controlar tudo, infelizmente. Muitas vezes encarar a escuridão é a melhor forma de conhecer o desconhecido. E se você ainda não encontrou as razões, existe uma possibilidade de serem encontradas dentro de tuas próprias escolhas, de tua alma, de tua mente.
Não destrua a si mesma por medo. Não faça isso. Menina precisa sorrir novamente. Precisa respirar, abraçar, reencontrar um verdadeiro amor. Menina não pode ficar presa ao passado, esperando que seu futuro se torne uma nova mágoa, presente em um futuro que se transformará em resquícios de um novo passado.
Respira, menina. Deixe tuas lágrimas limparem seu corpo. As lágrimas querem dançar em tua face, limpar tua pele, tuas feridas. Liberte tua voz, menina. Liberte tua voz. As paredes da tua casa já se cansaram do mesmo grito calado, das mesmas risadas, da mesma rotina.
Inove. Cresça. Mude.
Um anjo pequeno ainda está olhando por você. Anjo de olhos verdes, que combinam com a tua essência e encontrou em você resquícios de outras vidas, de outras dimensões. O anjo vai cuidar de você. Está aqui, estou aqui. Pouco perto, longe. Mas corações iguais se encontram mesmo sem palavras, eles sentem a presença somente pelo fato de existir. Eles existem.
Menina, me deixe enxergar seu sorriso. E quando estiver tarde, pode acender as luzes. A noite é tua amiga, ela vai entender que pesadelos na verdade são sonhos disfarçados. Não se esqueça.
Quando ventos frios batem, devemos proteger nosso corpo. O frio dói, menina. Não precisa ter medo de sentir. Um abraço ainda é o melhor remédio. E se por acaso você sentir medo, feche os olhos. Anjos não precisam de muita coisa para estar perto. Basta sentir, e só.

Sinto saudades.

Minha pequena Andrade, Mariana.

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