25 novembro 2012

Liberdade.


                                                                                          Foto: Camila Alves.

Era como se fosse uma parte do fosse. Era um passado perdido entre tantos sonhos e tantas partidas. Era como um momento bifurcado entre certas escolhas erradas. Era medo, era solidão.
O menino carregava pedaços de um coração remendado em uma mochila de papel. Ele havia juntado as bordas com cola. Havia sujado, arrancado partes molhadas, que deveriam ter sido jogadas fora anteriormente. Era um mundo visto de fora e o seu espaço vazio de coração havia sido preenchido com um vento quente, acolhedor, que se perdia em meio a uma tempestade fria.
Era um corpo oco. Era um corpo frio, que carregava nas costas todas as dores acumuladas por tentar sentir demais.
O menino carregava a perfeição em suas palavras e tentava pintar seu mundo com suas próprias cores. Ele havia aprendido a vestir o invisível e desaparecer no meio dos gritos de uma multidão calada. Era medo, era solidão.
E, no meio dessa tormenta, ele havia pintado seus muros tentando reinventar suas ideias. Ele tentava trocar as lentes, mas o mundo continuava o mesmo. Ele havia embaçado seu destino e o peso daquela mochila de papel sempre o jogava para trás.
Era um caminhar devagar em meio a pedras pontiagudas. Seus pés estavam feridos. Seus segredos começavam a escapar por entre tantos pequenos buracos. Mas, o menino remendava. Ele remendava sonhos, remendava ideias, remendava mudanças. Sentado, ele só esperava que o tempo passasse e que o sol nascesse, morresse e depois voltasse a respirar. Suas pernas eram fracas, não aguentavam tanto peso, mas a noite trazia esperança, ele sentia sono e estava cansado demais para tentar.
E foi assim que o tempo passou. Ele gostava da cama confortável, do filme e do café quente. Ele lia, conversava sem encarar o espelho, gostava de cantar no banheiro. Mas, ainda assim, era invisível.
A mochila era a sua única amiga. Só ela sabia seus segredos, só ela carregava o seu passado. A mochila carregava também alguns espinhos que, vez ou outra, perfuravam e riscavam as costas do menino. Lágrimas. Só assim ele conseguia chorar e jogar fora um pouco daquela mágoa passada. Eram tantos erros, foram tantas desilusões perdidas que insistiam em se encontrar dentro de tantos pedaços partidos. Ele só queria arrancar aquele resto de passado presente cheios de risadas e sonhos.
E entre tantos dias que passavam sem um despertar, o menino ouviu um canto ecoar do assoalho. Era um canto diferente, que caminhava em seus pés. Ele sentia aquilo passar em suas veias, em suas artérias, em suas vísceras. O menino sentia sangue, sentia calor, sentia vontade. Era um novo caminho que se concretizava em sua frente.
Ele resolveu andar. Segurou a mochila para que não caísse dos seus ombros pesados e começou a caminhar com dificuldade. Sentia tristeza quando via que as pedras ainda estavam ali dificultando o trajeto.
O canto ficava mais nítido. Era um canto de pássaro. Era um pássaro. E assim, o menino continuava caminhando. Por trás, ele percebia que o seu mundo desmoronava. Ele percebia que o passado precisava ser desconstruído para que suas partes se tornassem o concreto para o seu futuro. E assim, ele sentia medo. Ele chorava, deixava todas as lágrimas sangrarem em seu rosto de dor. Deixava suas pernas comandarem suas vontades. Ele sentia medo, tremia, mas, o canto do pássaro era bonito demais e ele precisava encontrar o seu destino. E assim ele caminhava, caminhava, subia em pedras, machucava, caía, na maioria das vezes. Ainda com o peso da mochila. Ainda com o peso nas costas. Sua caminhada sempre foi difícil. Ele precisava se encontrar.
E assim o mundo se desfez, e ele ia reencontrando um mundo novo, distantemente parecido com tudo o que já havia acontecido. Ele sabia que podia perdoar alguns erros, não precisaria ficar perdido naquela correnteza de culpa. Ele começava a enxergar seus braços, suas pernas, seu corpo. Ele podia ouvir um sorriso estranho. Seria dele? Ele não sabia sorrir.
E assim, o pássaro cantou. O pássaro encontrou sua voz. Ele voava perdido, tentava encontrar uma saída mais próxima. E assim, o pássaro voou. Saiu por entre alguns buracos que ainda estavam em seu corpo de menino. O pássaro voou e rasgou a mochila, jogando tudo, até mesmo o coração, no chão. E ele gritou, ele que era o pássaro menino havia libertado suas dores. Ele estava sem coração.
Olhando aquele coração remendado, ele sentia que podia voar. Era leve, pleno. Ele precisava cuidar daquilo e, por isso, colocou o pequenino em suas mãos e cuidou daqueles retalhos. Era como um coração novo, só que velho e dele. Era ele, sempre foi, sempre seria assim. Ele sabia que iria sofrer, ele já conhecia as lágrimas, ele sabia chorar. Mas, agora ele havia encontrado o sorriso e, como um pássaro, ele conseguiu voar. Agora longe. Longe, agora. Leve. Longe. Agora, feliz.







5 Comentários:

Penélope disse...

E quantos meninos se fazem assim e levam toda uma vida a voar como pássaros, sendo que muitas vezes nem voam e ficam perdidos entre os sonhos e a realidade.
Quanta delicadeza nas palavras. Eu gostei muito.
Grande abraço e lindo domingo...

Nina disse...

Cada criança faz da sua existência um mundo melhor, em meio a atribulações diversas.
Eu também já fui como esse menino.
Abraços.

Luís Monteiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís Monteiro disse...

Bonito seu texto. O mundo pode bem melhor em nossas cabeças, pitado com as nossas cores.

Então, eu indiquei você pra participar de um Meme, e tem que fazer. É bem simples e você só tem que compartilhar com a gente o seu gosto sobre livros. E só. E repito, tem que fazer.

Confira o Meme aqui: Laço de incentivo á leitura (MEME)

Bjws, até breve. "_"

António Je. Batalha disse...

É muito bom seu blog, a forma como está feito demostra capacidade e gosto. Texto bonito, e bonito também o talento.
Se desejar pode fazer parte do Peregrino E Servo.
António Batalha.

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