19 abril 2011

Vida velha.

Era velho o senhor sentado no banco de madeira. Cabelos grisalhos, ralos, pontudos. Feição enrugada, carrancuda. O velho devaneava pensamentos antigos. Pensava na vida que havia passado diante do seu olhar mudo, pensava em família, filhos, amantes de toda uma vida. Ele pensava se ainda poderia sonhar e a cada nova respiração seu corpo se enchia de esperança. Que a vida era curta ele sempre soube, só não sabia que a morte iria passear pelos arredores da sua vida tão cedo. Era cedo demais para morrer e um pouco tarde para concretizar sonhos perdidos.
As nuvens escuras denunciavam uma noite chuvosa. Raios, relâmpagos. O homem gostava daquilo. Quando criança usava a chuva como pretexto para se perder em abraços maternos, no calor de uma mãe que sempre conseguia afagar angústias e medos. Criança inocente, pequeno homem primitivo, que enchia os olhos de lágrimas só em pensar que um dia perderia aqueles abraços para sempre. Mas o tempo passou. A criança envelheceu e os abraços foram cortados pela frieza de uma adolescência distante. A vida é assim, o homem já havia pensado sobre isso. Ele não precisava mais daquela mãe, mas desejava aquele abraço. Ele precisava curar aquela angústia de vida, de fim. Vou desaparecer, vou sumir, vou ser um nada. O homem não tinha religião. Seria mais fácil encarar a morte desse jeito, mas ele sempre escolhia o caminho mais dífícil. Ele era forte. Homem fazendeiro que não tinha medo de superstições. Já tinha lutado com lobisomem e, certa vez, ficou perdido no meio da fazendo dias a fio por causa da Caipora. Êta orgulho que ele sentia quando contava certas histórias para os "menino barrigudo" que vinha fazer visita no fim de semana. Nada passava diante daqueles olhos atentos. O homem sabia dos perigos da vida, mas nunca fraquejou diante das suas dificuldades.
Tempo curto esse que passa deixando marcas e feridas profundas. Tempo que mata, tempo que ilude, amarga, alegra. Tempo doido esse que não dá pra ver, nem tocar consegue. Só sei que passa sem passar um segundo que possa apagar outros. O homem carregava as suas marcas inapagáveis. Seu corpo torto denunciava uma vida dura, sem muito amor. Ele pensava que não sabia amar, pois homem de verdade não ama e nem chora. Cabra macho é macho até morrer, e ele não ia perder a sua dignidade naquele momento.
Cheiro de carne frita. A barriga do homem fez um barulho estranho, parecido com a sua voz. Ele não falava, sussurava rugidos como se fosse um animal. Ele nunca tinha o bastante para dizer. O homem não sabia ler, não escrevia. Isso não era importante. A mão de um homem deve ficar calejada pela terra, e não por essas besteiras que o povo anda inventando por aí.
- Ô Zé, se quer comer vêm. - Disse uma senhora com dificuldade na porta da entrada daquela pequena casinha branca. A fazenda estava bonita naquela noite. Chuva era bom porque trazia dinheiro.
O homem olhou para a mulher. A mulher sorriu.
- Ô Zé, eu vou precisar ir te buscar é?
O homem olhou para a mulher. No fundo ele sabia o que era o amor.




4 Comentários:

Lê Fernands disse...

a dureza da vida impede doces afetos... mas nunca é tarde.



bjs, querida.

Unknown disse...

Já tava com pena do velhinho!
;)
te amo

Miri Fernandes disse...

O tempo = sabedoria.
E esses que possuem muito tempo me dão alegria. Afinal, um dia, eu serei um deles! =D

Acho lindo os idosos. Muito, muito !


- Kiss.

Andreza Salvio disse...

vim retribuir a visita e adorei o que encontrei. Seguidora nova pra você ;*

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