17 março 2011

O estranho.

Menina do interior, Sara não acreditava no amor. Ela gostava de viver sozinha, sonhando pensamentos impossíveis, sem muita significação. O seu mundo particular já tinha muitas cicatrizes. Sem pai, sem mãe, criada por uma tia, Sara não se sentia no direito de ter muitas pretensões. Ela já tinha direcionado sua infeliz vida a um fracasso inconsciente. Ela não conseguia sentir. Seu corpo estava frio, rígido, sem vida.
Como sempre, a menina havia se atrasado para aula. Ela não tinha tanta disposição para aquilo tudo. Queria ir embora, junto com o pássaro que havia crescido na sua janela. Mas suas raízes estavam fortes demais para deixá-la tomar alguma iniciativa.
Sara suava. O ponto de ônibus cheio não a deixava respirar, deixando-a sufocada com tantos cheiros, tantas vozes, tanta agonia. Ela não gostava muito das pessoas. Aquilo era um tormento diário. Ela precisava partir.
Palavras soltas voavam em seu pensamento de menina. Ela queria ser atriz, queria cantar, queria poder aparecer diante de alguém. Era muito difícil ser invisível diante de tantos olhos atentos. O silêncio que ela tanto procurava estava longe dali, em algum lugar que ela não conseguia alcançar.
E foi nesse conflito matinal que Sara o viu, sentado, segurando um caderno velho, meio desbotado. O menino usava uma blusa preta e um jeans, que parecia estar mal passado. O vento ainda conseguia enamorar aqueles cabelos pouco lisos, pretos. Um all star velho estava em seus pés. Lindos pés, por sinal. O garoto se movia sempre que um ônibus se aproximava. Seu corpo encurvado deixava claro um ar de preocupação, e Sara sabia que ele também estava incomodado de estar ali.
A jovem menina suava. Corpo, pernas, braços e, pela primeira vez, ela escutou o seu coração. Ele batia. Ela sentia. O tremor de duas pernas frágeis rangiam todo o corpo magro daquela jovem. Seus lábios, úmidos, se contraiam, se esticavam, mordiam. Ela queria andar, chegar mais perto, mas estava pesada demais. De repente tudo ficou pesado demais. A menina sabia, ela já tinha visto em filmes, mas ela não acreditava no amor, muito menos em um amor de primeiro encontro. Nada poderia ser tão rápido assim. Ela estava sentindo alguma coisa, deve ter sido o café da manhã ou o remédio para dormir. Talvez aquilo, talvez isso. O que fazer agora? Ela não sabia. Seus olhos sabiam. Eles queriam olhar, admirar cada pedaço daqueles charmosos ombros, daquela boca que se movimentava levantamente, como se cantasse alguma canção. Que música ele poderia estar cantando? Será que ele gostava daquela banda que ela havia escutado para dormir naquele dia? Será que ele gostava de chuva, de pipoca, de macarrão?
De repente a jovem começou a sentir algumas coisas que ela não sentia. Ela queria dançar, conversar sobre aquilo com as pessoas. Ela queria saber o nome dele. Qual seria? João? Não, ele não tinha cara de João. Talvez Gabriel, Tiago, Eduardo, Ricardo. É, ele tem cara de Ricardo.
As mãos da jovem se fechavam enquanto, de olhos abertos, ela sonhava caminhar com ele, apertar sua mão, beijar aquela bochecha alta, meio cinza por conta da barba que estava nascendo. A jovem menina estava à flor da pele, deixando o rosado do seu corpo se entregar a um jovem rapaz, que ela nunca havia visto em sua vida.
O que será isso? - Ela se perguntava a todo o momento. Todos já deviam estar notando. Ela não podia deixar ninguém perceber, mesmo sabendo que ninguém se importava.
Sara queria se aproximar. Sentir aquele cheiro novo. Guardar aquele cheiro para depois. Ela sabia que iria sonhar. Ela precisava. Ela já estava pensando.
O jeito que o garoto olhava a rua e balançava os pés deixavam a jovem anestesiada. O que fazer com tanto sentimento? E agora que o coração ficou acelerado? Sara não sabia lidar com aquilo. O amor de menina chegou tarde demais, sem tempo para ensinamentos. Mas já tinham falado para ela que nunca seria tarde para acreditar no amor. Ela não acreditava, ela não sabia diferenciar seus sentimentos. E agora estava ali, sozinha, como uma jovem e sua menarca, sem instruções de como agir, de como falar, de como se portar.
De repente ele se viu ajeitando os cabelos. Os ombros começaram a se posicionar, e ela sentiu que estava desajeitada depois de tanto arrumar. Ela não tinha o que arrumar. Ela não sabia.
Será que ele olhou para trás? Será que ele me viu? Não. Ele não pode ter me visto. Eu não ia aguentar. - Pensamentos rondavam a jovem. Pensamentos não a deixavam pensar. Onde está todo mundo? Todos sumiram. Agora era só ele, era ela. Os dois, sozinhos, em um ponto de ônibus vazio. Era a chance da jovem. Ela ia apostar em seu charme récem descoberto. Ela ia apostar. Será?
E foi nesse momento que o menino entrou em um ônibus invisível e sumiu. Ele sumiu no meio de tantas pessoas. E a jovem ficou ali, parada. Ela havia perdido seu primeiro amor.
Será que amanhã ele vai estar ali? A jovem olhou no relógio. Ela programou sua alma para a espera de um novo encontro. E ela sabia que ia demorar. Já estava demorando. O que seu amor poderia estar fazendo agora?
O ônibus chegou. Sara despertou. Era hora de seguir viagem. Ela catou pedaços do próprio coração. Não queria deixar nada para trás. Aquilo era bom demais para ser jogado fora.



Não preciso de palavras para definir o amor. Eu não preciso disso. A complexidade de sentidos que ele carrega consigo já é suficiente. Não preciso entender, só sentir.
Quem nunca amou à primeira vista?




Hoje eu quero escutar......................

Bell X1 - Eve the apple of my eye

9 Comentários:

Miri Fernandes disse...

"(...)Você foi, eu morri, eu fui e você chorou."
Ahh, essa música é LINDA DEMAIS.
E por falar em LINDO,o seu texto é um exemplo desse adjetivo.

- Kiss.

Lê Fernands disse...

"bastou um olhar.
o achei tão interessante, uma energia que combinou na hora. comecei a amá-lo sem mesmo saber que já o amava."


bjsmeus

Camila Alves disse...

essa música é um vício...

Lua disse...

Palavras sentidas em mim.
E a musica é linda.

volte sempre querida,
bjos ;)
Bom fim de semana!

End Fernandes disse...

Camila que bela narrativa =]

o já aproveitei melhor algumas oportunidades que tive em pontos de ônibus.

mas, com certeza perdi muitos tambem

Bjuuus

=D

Anônimo disse...

Ficou lindo. Parabéns.

Lorde Croowel disse...

Muito lindo o conto. Amor platônico...todo mundo já viveu e se não viveu um, não viveu. O amor seja ele como for, é regado de sensações que sentimento nenhum pode despertar. Adorei o conto...

César Dias. disse...

Obrigado pela visita e pelas palavras, adorei seu blog muito lindo, parabéns estou seguindo.
Abraço e desculpe pela demora para responder.

Anônimo disse...

Mas que menina mais linda!! rs
Belo texto, tantos sentimentos nesse encontro... e seguimos assim, sempre esperando um reencontro. Eu ainda espero!
Bjo e obrigada pela visita. voltarei mais vezes.

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