08 fevereiro 2012

Rotina.

Os olhos sempre denunciam o nascer do sol, Mathias sabia. Era por isso que, ao acordar, ele mantinha seus olhos fechados, abrindo-os aos poucos para que assim pudesse se acostumar com a ideia de um novo amanhecer. Já era tarde, ele precisava se levantar. Os raios do sol ardiam seus olhos. Corpo frio, noite mal dormida, fome esquecida. O despertador já havia acordado seu corpo, porém, sua alma ainda precisava despertar. Ele olhou para o computador, percebeu que não havia desligado. Poderia ser uma desculpa para escutar uma música antes de começar a rotina? Mathias sorriu ao conectar as caixas de som. Beethoven. Oh, Beethoven. Sua mãe gritou. Estava alto. Abaixe, Mathias! Se vista, Mathias! Estude, Mathias! Então Mathias abaixou. Mathias se arrumou. Mathias estudou. O dia passou, Mathias. Você gosta de ver o pôr do sol? Então, veja de fora. Enxergue a rua se calando, os carros voltando, gastando seus ruídos, seus gritos. Os passarinhos cantam novas despedidas. Amores se despedem, Mathias. Irmãos vão para casa. Perceba como o sol, aos poucos, consegue se movimentar até beijar o horizonte da terra. Ele poderia estar cansado? Veja como ele cresce quando a terra o recebe em seus braços. São dois seres, Mathias. Poderiam ser reais? Mathias não havia conhecido o amor. Olhava de longe. Procurava um olhar que se encontrasse com o seu. Procurava lábios que encontrassem sua boca, que abraçassem seu corpo e pudesse amá-lo pelo simples fato de existir. Mathias encontrava paixões em pensamentos. Mathias buscava novas promessas, idealizava novos projetos, sonhava em ser um super-herói. Mas super-heróis são humanos, Mathias. Super-heróis precisam viver em terra firme. Super-heróis sentem, sofrem, buscam novas inquietações. Mathias estava cansado. Suas botas estavam sujas. Ele precisaria tirá-las, um dia. Não hoje, não agora. Mathias recebeu um telefonema. Voz doce. Como aquela voz havia aparecido? Ele não sabia que poderia se apaixonar. Sorriu. Estava tarde. Biblioteca fechou, Mathias precisava voltar. O caminho de volta estava cheio de buracos, mas Mathias sorria. Os buracos não significavam nada, ele só conseguia se lembrar daquela voz, daquelas palavras. Mathias parou, deixando a brisa dançar sobre os seus cabelos. A sua mochila estava cheia de livros, mas parecia leve. Mathias achava que poderia voar. Será que ele seria um super-herói? O vento cantava novas melodias em seu ouvido e, de repente, todos os ruídos se transformaram em uma leve melodia. Buzinas, gritos, sussurros, saudades. Tudo se fundiu em busca do efêmero, e Mathias sentiu. Mathias podia sentir. Mathias sentia. Já era noite e, pela primeira vez, Mathias sentia saudades. Mathias sentia seu corpo, se olhava no espelho. Gostava. Mathias gostava. Mathias sentia fome. Mathias sentia o beijo, o abraço, a despedida. Sabia que já era o momento de seguir. E ele gostava de seguir. A vida agora estava cheia de cores e, tudo estava cheio de melodias. Tudo transcrevia Beethoven, Mozart. Tudo era, de repente, o que ele sempre quis ser. Mathias sorriu. Guardou a mochila. Tomou banho. Comeu. Beijou sua família. Agradeceu. Mathias sorriu. Guardou suas lembranças. Guardou seus sonhos. Lavou suas dores. Reergueu um amor. Sorrisos. Pela primeira vez, Mathias dormiu. Fim da rotina. Começaria de novo, ele sabia. Mas cada dia guardaria uma nova essência e, mesmo quando o dia fosse cansativo, ele saberia que encontraria novas surpresas. Olhos enxergam o que querem enxergar. Só um novo olhar pode mudar percepções antigas. Acredite. A vida é o que você faz dela. Se ficar fria, use um cobertor. Nada é tão difícil quanto parece ser. Se o chão fosse de algodão, ainda assim seria complicado de caminhar. Transformar as pedras em flores é uma solução. Encará-las, é outra.
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