20 julho 2012

Atrasos e Partidas.



Era mais um voo atrasado, eram mais horas atrasadas de um dia cedo. O sol ainda estava escondido por trás daquelas montanhas e a inquietude fazia as mesmas pernas tremerem. O dia frio carregava consigo um pouco de saudade, enchendo aquela mente de lembranças. Pela pequena janela, ela podia enxergar o sol escondido por detrás daqueles morros escuros. Estava bonita tamanha escuridão cheia de sussurros calados e gritos pouco abafados. Ela sabia que alguém dormia no meio daquele silêncio, alguém suspirava o início de um novo dia e despertava um sorriso cansado para um velho amor.
Era mais um voo atrasado. Pessoas amontoadas tentavam com esforço guardar pequenas bagagens naqueles compartimentos. Cuidado com a cabeça! Poderia ter sido um acidente, não? Mas o dia começava a nascer para aqueles olhos cansados e qualquer deslize poderia ser perdoado. Já era hora de enfrentar a vida novamente.
As mesmas pernas continuavam tremendo e as músicas do mp3 já estavam repetidas. Ela se espreguiçava, gostava daquela poltrona vazia do seu lado. Abria a persiana, fechava. Fechava, abria. Como sempre, indecisa menina. Ela não sentia vontade de nada, guardava dentro de si a inércia de um marasmo causado pelo cansaço. Esperar e não fazer nada era mais cansativo do que fazer tudo. A menina estalava os dedos, cruzava e descruzava as pernas, lia trechos do Alan Poe guardado em sua bolsa. A menina despertava sonhos, guardava novas esperanças, preparava-se para um novo destino cheio de dúvidas e medos. A menina, pela primeira vez, sentia coragem em seguir, sem pretensão de voltar a um antigo destino.
Tudo passava devagar e a lentidão fechava aqueles olhos pequenos. Licença. O senhor carregava consigo uma educação cheia de bondade. A menina se levantou, sem jeito, segurando sua bolsa aberta com força para que suas poucas coisas não se espalhassem no chão. Ele se ajeitou e, pouco confortável, abriu a persiana que já havia sido fechada várias vezes. Está frio? Perguntava quieto. A menina sorria, ficava à vontade. Gosta de ler? Gosto.
Assim, as mesmas palavras de conforto foram caladas e o avião fechou suas portas para decolar. A menina segurou-se firmemente na cadeira, ela gostava de sentir o avião acelerando, aos poucos. Sinal da cruz, alguns o faziam escondido, como se tivessem vergonha de expressar sua fé. E assim passaram-se segundos. E assim a menina fechou seus olhos, deixando todas as suas preocupações em terra firme. E assim, mais um voo atrasado voa em busca do seu destino.
O tempo passou, bem pouco, parecendo muito e a inquietude daqueles olhos a fizeram enxergar novamente. Estava escuro, alguns já dormiam e outros esperavam por uma xícara de café. O senhor segurava firmemente as próprias mãos e tremia um pouco os dedos, passando uma boa tranquilidade que a menina conseguiu capturar pela sua essência. Ele guardava um sorriso de canto de boca, como se estivesse esperando o momento exato para expressar aquela emoção contida. Assim o tempo ia passando, contido de ansiedade em chegar.
Era de vez em quando que os pequenos óculos redondos do senhor embaçavam e ele retirava para limpar. Tudo feito numa lentidão invejada. Invejada? De repente a menina gostava daquele marasmo. O tempo trazia consigo sua nova essência e até mesmo um vento agradável aparecia repentinamente, não se sabia da onde, acho que da imaginação. Que cabeça confusa essa, não?
A menina olhava um pedaço do perfil do velho senhor, estava simplesmente encantada pela sua feição simples sem preocupação.
Foi quando, de repente, o sol começou a aparecer por detrás de uma nimbus densa e, encurvando seu corpo para frente, ela percebeu que o sorriso contido do senhor havia sido despertado e, quando o céu começou a pintar seus cantos de laranja, algumas lágrimas apareceram no canto do seu olhar. Era lindo enxergar o nascer do sol através das lentes daqueles pequenos óculos redondos, pouco embaçados.
Pela primeira vez, a menina viu o sol aparecer de baixo, irradiando seu brilho para todas as partes daquele imenso céu de nuvens escuras. Foi-se o laranja, chegou um vermelho, misturou-se com o azul. A complexidade de cores deixava o céu límpido, estranhamente monocromático, irradiando a maior beleza da vida. Era um nascer novo, um recomeço, um novo dia transfigurado em um novo ser. A menina estava paralisada, sua mente calada, porém cheia de bons sentimentos. Deus existe, ela pensou. Aquilo não era obra do acaso.
Encostada no banco, ela enxergava os contornos formados na lente no senhor. Olhos doíam pelo início da claridade, corpo explodia e exalava sentimentos. Ele guardou novamente o seu sorriso. O sol já estava no céu e a sua luz impedia que os olhos enxergassem pela persiana. O homem fechou a janela, virou. Está tudo bem? A menina sorriu. Estava. Ele recostou sua cadeira, soltou suas mãos, fechou os olhos. Obrigada. E a menina pensou que era o momento de descansar.


Rick Monteiro, obrigado pelo meu novo tema! (http://semguarda-chuvas.blogspot.com.br/)

Contos, e só. © Theme By SemGuarda-Chuvas.